quarta-feira, 22 de maio de 2013

Sobre a Mecanismo de Antikythera

Reconstituição da Máquina de Antikythera 

No ano de 1900, alguns dias antes da Páscoa, um grupo de pescadores gregos voltava das costas tunisianas (num total de 6 mergulhadores e 22 remadores, que tripulavam dois barcos). Ao passarem ao largo da pequena ilha de Antikythera, situada entre Creta e Cítera, foram surpreendidos por uma tempestade que os obrigou a ancorar perto da costa rochosa da ilha, num local conhecido por baía Pinakakaia.

Passada a tormenta, a tripulação decidiu aproveitar a estadia no local para mergulhar à procura de esponjas, (já que a área estava, até então,  inexplorada e devia ser rica em espécimes). Após um certo tempo, qual não foi a surpresa dos mergulhadores ao encontrar, a cerca de 40 metros de profundidade, os restos do naufrágio de uma embarcação de 50 metros onde, além do tradicional carregamento de ânforas, encontraram numerosas estátuas em mármore e bronze, juntamente com outros objetos tornados irreconhecíveis pelos depósitos orgânicos decorrentes da prolongada imersão no mar.

Impossibilitado de recolher uma carga tão pesada nos pequenos barcos que comandava, o líder do grupo, capitão Demétrios Kondos, decidiu assinalar cuidadosamente o local para, numa outra oportunidade, com barcos maiores e mais equipamentos, voltar para recolher o "tesouro". Retornaram sem maiores problemas ao porto de origem, em Syme, e durante quase seis meses discutiram exaustivamente se deveriam recolher os objetos por conta própria para depois revender com grande lucro aos colecionadores de antiguidades, ou comunicar o achado às autoridades gregas. 

Ao contrário do que quase sempre acontece, escolheram à segunda opção. Assim, entraram em contato, no dia 6 de novembro de 1900, com o Ministro da Educação Nacional, Spiridion Stáis, arqueólogo, que imediatamente se interessou pela descoberta e, após prometer uma recompensa para a tripulação, colocou à disposição do capitão Kondos, um navio da Marinha grega e todo o equipamento necessário para a recuperação da carga submersa.

Durante nove meses de exaustivo trabalho, que custou a vida de um mergulhador e ocasionou lesões permanentes em outros dois, a equipe retirou, peça por peça, a valiosa partida de objetos (em 1953 , os membros do grupo de pesquisa submarina de Jacques Cousteau visitaram o local perto de Antikythera, onde naufragou a nave grega. A opinião dos mergulhadores era de que restava ainda no local grande quantidade de material arqueológico a ser recolhido). 

O material foi transportado para Atenas, onde uma equipe chefiada pessoalmente por Stais, começou a examiná-lo e a classificá-lo. O interesse dos arqueólogos estava, então, inteiramente voltado para as estátuas e, apenas por um acaso (desses que só existem na realidade, pois na ficção seriam considerados exagero), é que a 17 de maio de 1902, o professor Stais descobriu, numa peça disforme e bastante corroída, de bronze, uma inscrição que lhe chamou a atenção.


Peça Original (ângulo frontal do mecanismo)

Naquele momento inaugurava-se uma nova era no campo de arqueologia submarina. Aquele grupo de humildes pescadores de esponja foi responsável por uma descoberta que iria revolucionar a história do conhecimento científico - a máquina de Antikythera.

Os estranhos fragmentos que até então tinham sido desprezados pelos arqueólogos mais interessados na estatuária e nos objetos artísticos, foram reunidos, e Stais chamou um especialista em numismática, o Professor Svonoros, para examinar a peça e a inscrição. Num exame detalhado, o perito constatou a presença de rodas dentadas, o que o levou a concluir que se tratava de um instrumento astronômico - possivelmente utilizado para efetuar cálculos orbitais.

A limpeza dos fragmentos possibilitou mais descobertas igualmente espantosas - e particularmente, um cursor circular graduado. Assim, não havia mais dúvidas: tratava-se de uma calculadora para uso astronômico construído pouco antes da era cristã (mais tarde foi possível determinar com mais exatidão a época de fabricação do engenho, situada entre 90 e 80 a.C.).

Quem poderia imaginar, até então, que a ciência da antiga Grécia tivesse o conhecimento capaz de criar, e o que é mais incrível ainda, construir um verdadeiro computador astronômico? Contudo, o interesse pela máquina arrefeceu nos anos seguintes. Somente em 1951 que as pesquisas foram retomadas, sob a direção do Professor Derek de Solla Price, catedrático de História da Ciência na Universidade de Yale, EUA. Este cientista foi quem realmente percebeu a importância do achado e as possibilidades que a descoberta teria para o estudo da ciência antiga.

A primeira etapa de seus trabalhos foi divulgada em 1959 pela revista Scíentific American (sem dúvida, a melhor e mais confiável publicação do gênero no mundo). Contudo, devido a esse tipo de pesquisa costumar ser extremamente delicada minuciosa, desenvolveu-se muito lentamente o processo de conhecimento acerca do mecanismo. Assim, passaram os anos sem que nada de novo fosse agregado às conclusões já existentes.

Em 1971, um novo e decisivo passo foi dado para o esclarecimento do funcionamento e das finalidades da máquina de Antikythera. Fazia algum tempo que o Professor Solla Price insistia na necessidade de radiografar as peças para conseguir mais informações a respeito do interior do engenho. Superando as dificuldades burocráticas o doutor Karakaos conseguiu, junto à Comissão Grega de Energia Nuclear, autorização para utilizar o equipamento radiológico de precisão daquela entidade.

Mais engrenagens foram detectadas pelo raio X, estas em muito melhor estado de conservação pelo fato de estarem resguardadas do contato direto. O professor Solla Price voltou à Grécia, para inteirar-se das novas descobertas, declarando na ocasião, com uma nota de humor -"Não existirá uma espécie de justiça emocionante no fato de serem usadas técnicas tão avançadas para lançar luz sobre o que é, sem dúvida, a peça mais importante capaz de levar-nos ao conhecimento da ciência e da técnica dos antigos gregos?"


Reconstituição de fragmento do Artefato

Aqui, novamente o acaso encarregar-se-ia de trazer elementos novos ao já intrincado problema. No depósito do Museu de Atenas foi encontrado um outro fragmento da máquina - que havia desaparecido no princípio do século.

Esse fragmento demonstrou ser de enorme importância. Externamente não apresentava nada de especial. Porém, após o exame radiológico, constatou-se que, em seu interior, havia uma engrenagem de 63 dentes, intacta e, em seguida percebeu-se se tratar da 'chave' para o entendimento das funções desempenhadas por todas as outras engrenagens até então descobertas.

A reconstrução detalhada do mecanismo não foi, como se pode imaginar, nada fácil. O cálculo do número de dentes de cada engrenagem estava sujeito a vários fatores de erros. Porém, com muita paciência, Solla Price terminou por estabelecer o funcionamento do mecanismo.

Sua construção era consequência das descobertas de Meton (astrônomo ateniense do século 5º a.C. - célebre pela invenção do ciclo luni-solar, que leva o seu nome e que foi adotado na Grécia em 433 a.C.). Meton inventou e apresentou publicamente, em Atenas, um instrumento chamado heliotropo, uma espécie de relógio de sol, para a observação dos solstícios. Calculou, também, um calendário meteorológico. No final de sua vida, para não ter que participar da expedição enviada a Sicília pelos Atenienses em 415 a.C, simulou uma crise de loucura. 

No ano seguinte foi satirizado por Aristófanes, que o fez representar um personagem ridículo em "Os Pássaros"), a respeito dos movimentos celestes da Terra e da Lua, que podemos resumir da seguinte forma: o Sol percorre os doze signos do zodíaco em aproximadamente 365 dias. A Lua realiza uma volta completa ao redor da Terra em pouco mais de 27 dias. 

A combinação destes movimentos faz com que um mês lunar, com suas quatro fases, tenha 29 dias e meio. Estas durações, contudo, são aproximadas. Apesar disso, Meton percebeu que 19 anos solares correspondem exatamente a 235 meses lunares ou a 254 (235 + 19), revoluções do nosso satélite ao redor da Terra. 

O professor Solla Price demonstrou que as engrenagens da máquina materializavam estes números com a ajuda das seguintes relações numéricas: 64/38 X 48/24 X 127/32 = 254/19  - onde os números empregados correspondem aos dentes das engrenagens. Como podemos ver na ilustração, na parte dianteira da máquina localizavam-se os quadrantes solar e lunar "verdadeiros", e na parte traseira um outro quadrante indicava as fases da Lua e os meses lunares.

Possivelmente, o cônsul romano Cícero (106-43 a.C.) apreciou a máquina quando de sua estada em Rhodes no ano 77 a.C., pois sua construção deve ter sido terminada em 87 a.C. (inicialmente, existia uma hipótese de que a construção da máquina de Antikythera teria sido concluída em 34 d.C., porém essa ideia foi abandonada em seguida, pois esta data estava em desacordo com o ano de fabricação das ânforas que foram encontradas no mesmo barco que a transportava). 


Engrenagens sofisticadas reveladas por Raios-X

Mil anos mais tarde, o sábio árabe Al-Biruni descreveu uma calculadora astronômica que apresenta os mesmos princípios da antiga máquina grega, com exceção do mecanismo de engrenagens diferenciais, bastante complexo, responsável pela transmissão primária da máquina.

Engenhos semelhantes foram também construídos durante a primeira revolução tecnológica (1.100 a 1.300), por alguns relojoeiros mecânicos, entre eles o abade Richard de Wallingford (1.327) e Giovanni de Bondi (1.350). Todos estes engenhos descendem em linha reta da Máquina de Antikythera, o elo que faltava na corrente da evolução do cálculo astronômico, e que muito mais tarde, no século XVII, possibilitaria a revolução científica de Kepler e Galileu.

Reportagem da Revista Planeta - Ano 1977 
(conteúdo constante no link)

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